MALDITA SÍNDROME QUE NOS AFLIGE 

Campanha comunista para o desarmamento.

Certo dia estava eu deitado na minha cama pensando como seria bom se pudesse praticar um pouco de tiro. Lembro-me que a ultima vez que eu atirara já fazia umas boas décadas. O dia amanheceu e fui falar com minha esposa sobre essa vontade:

– Amooor, vou procurar um clube para iniciar um novo esporte. O que você acha? – perguntei

– Que legal! – Exclamou ela – O que vai praticar?

– Vou praticar tiro esportivo. O que pensa a respeito?

Fez-se um silêncio quase que imediato por aproximadamente uns dois segundos que me pareceram mais longos do que realmente são.

– Não acho uma boa ideia. Primeiro porque é perigoso e você nem sabe atirar! Além disso você não assiste televisão? – retrucou – Não vê o tanto de crime ocorrendo?  

Ela também está contaminada pela síndrome! – pensei comigo mesmo em total desilusão porque sabia que o remédio para essa moléstia ainda era desconhecido!!!

Sem conseguir dormir direito naquela noite, ainda impactado pelos argumentos exarados por minha própria esposa, que se encontrava infectada pela tal síndrome, recordei que havia escrito um artigo a respeito do desarmamento da população civil e o havia batizado de “síndrome do controle social”. Digo “síndrome” na mais certa das expressões porque o desarmamento de um povo – quando apoiado por ele mesmo – se assemelha a uma patologia endêmica.

Para os doentes de tal síndrome recomenda-se alguns antídotos

Estamos doentes meus amigos! Nunca estivemos tão mal! O que causa essa síndrome?  

Não vá pensar que o processo de desarmamento do povo brasileiro se iniciou com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03) no ano de 2003.

No final do Século XIX e início do século XX o processo de desenvolvimento bélico passou por uma reformulação tecnológica que tornaram as armas mais eficazes. Com isso houve, de certa forma, uma preocupação do Estado. Seria essa a causa da moléstia que afeta até mesmo as pessoas de minha família? – me perguntava afoito. É sabido que essa “preocupação estatal” não é com o povo em si, mas sim com a ameaça ainda que em potencial à perpetuação do poder.

Portanto, a possibilidade de armas nas mãos do povo significa equilíbrio de poder ainda que em potencial entre o poder do Estado e as liberdades individuais do povo. Se analisarmos o processo de desarmamento da população de uma maneira global veremos que ele se inicia a partir do Século XX.

Outro bom remédio para curar a síndrome

Assim, meus caros, não pense que o Estado se preocupa com a sua segurança individual: Jamais! Quem assim pensa sofre da famosa síndrome.

Você poderá me taxar de louco, exagerado, perverso, mas a realidade é uma. Quando o governo cria um marketing para que seu povo “entregue” suas armasnão reajanão queira uma arma… e nesse processo de propaganda taxa a arma de fogo como um instrumento diabólico capaz de matar por si e per si ele mente na cara dura!

Durante uma noite recebi um dom divino. Me fora permitido viajar pelo tempo, mas somente para o passado. Então comecei minha busca implacável na tentativa de localizar o início do processo endêmico brasileiro e assim curar minha esposa.

Não é possível… pensei comigo mesmo! Seria o povo do Império do Brasil um povo desarmado? Ora! a preocupação da Coroa Portuguesa sempre foi perpetuar-se no poder. De posse dessas dúvidas procurei algo a respeito nas leis da época. Vasculhei as Ordenações Manoelinas (1512 – 1603), também procurei nas Ordenações Filipinas (1580 – 1640) e pouca coisa encontrei!

Antes de continuar a busca pretérita da famigerada síndrome, anotei em um pequeno diário só para não esquecer, que o desarmamentista, sábio na sua ignorância e moléstia quase que irremediável, irá me criticar dizendo que no Império as armas eram muito arcaicas e por isso não haveria necessidade de regulamentação e controle naquela época, embora isso somente reforce a tese de que o controle das armas é feito para proteção estatal e não para proteger as pessoas.

Então passei a buscar nos Decretos Imperiais e nas Cartas Régias em período mais próximo à República e menos encontrei! As únicas coisas encontradas eram a proibição de formação de milícia armada, o que era punido com a morte.

No Brasil Império, portanto, não encontrei pessoas infectadas com a referida síndrome! A propósito, a pessoa “normal”, o “pacato cidadão” do império poderia inclusive andar armado tranquilamente pelas ruas. O que se punia com a morte era apenas a formação miliciana armada que atentasse contra o Império. Também era punida com a mesma pena a fabricação de arma de fogo sem expressa autorização da Coroa.

Que maldito vírus esse que infectou nossa gente! Só poderia ser um vírus e não uma síndrome, pois esta estaria ligada a um processo genético e nossa gente no Império não tinha sinais de um DNA defeituoso. Não veio do Império… não veio de Portugal! E eu que sempre acreditei que português era burro! Então veio da onde? Continuei minha busca para talvez encontrar o hospedeiro e assim poder traçar um paralelo capaz de compor a explicação para o controle de armas no Brasil. Entrei pela recém-formada República e visitei Marechal Deodoro e nada encontrei… muito pelo contrário… vi que nossa República teve ajuda de armas em sua formação e que ele era um velho barbudo que não desgrudava de seu bérro.

Nada vi em Peixotinho, Prudente e Sales. Que chata estava a República Velha, nada de encontrar alguém infectado. 

Resolvi também espiar Rodrigues Alves, Afonso Pena e o Peçanha: Nada! Nem o Peçanha! Quase tive um infarto quando bati um papo com Hermes da Fonseca e vi que o cara era sobrinho do Marechal Deodoro: que lástima – exclamei – este também carregava seu bérro! Que diabos ninguém infectado.

Marechal Deodoro da Fonseca

Durante uma tarde – pensei comigo – me sentia mais livre só de não ouvir as notícias exageradas da minha época, onde armas matam pessoas e, por isso, fui ao botequim da rua do Ouvidor tomar um café e tentar encontrar uma pista sobre o início dessa doença. Procurei também espiar as noticias locais da capital do Brasil Império: o Rio de Janeiro.

Nada satisfeito pela demora em encontrar uma pista, perguntei ao português dono do estabelecimento se alguém tinha sido assassinado por aqueles dias. Atento à sua resposta:

– Sim! – fui a êxtase e fiz silêncio para ouvir o término da notícia – Ontem mesmo, meu rapaz, um senhor matou a esposa lá na rua do Ourives.

– E a matou por quê? – perguntei

– Traição! – exclamou o português baixando a voz num tom de lástima como que comovido somente pela desgraça do marido.

A conversa tomava um rumo interessante na minha busca pelo início do processo endêmico brasileiro. Fiquei curioso para saber mais detalhes.

 –  matou a esposa que o traia com um rapagão! – disse o português

– mas a matou de que forma – retruquei ainda curioso – utilizou-se de que arma?

– isso faz diferença meu jovem! Simplesmente a matou! Acho que quebrou seu pescoço. – asseverou o português balançando a cabeça – Um crime bárbaro… uma pena!

Abandonei logo esse processo empírico de me infiltrar na sociedade carioca para buscar algum infectado ou mesmo um hospedeiro, pois percebi rapidamente que o povo sequer sabia o que era controle de armas, muito menos atribuía à arma de fogo um suposto assassinato.

Quando este Sherlock Holmes meio tupiniquim metido a viajante do passado iria achar o fio da meada? Quanta vontade de encontrar o local da endemia brasileira e assim salvar minha esposa.

Durante essa busca refleti um pouco sobre as minhas convicções pessoais na tentativa de me auto avaliar: será que estou certo em ser pró-armas? Será correta minha afirmação de que um povo armado ajusta o controle social na criação de uma espécie de 4ª Poder como último recurso a ser buscado?

Quanto mais pensava sobre a questão do desarmamento no Brasil, mais compreendia que não se trata somente de desarmar um povo. O desarmamento passa pelo desarmamento intelectual da população. Uma população desarmada em ideias, cultura, moral, religião, bons costumes e armas, ou qualquer outro instrumento de resistência física ou intelectual acarreta o empoderamento do Estado em detrimento do povo que o compõe, mitigando a liberdade individual e impedindo o exercício do direito sagrado à legítima defesa. 

Decidi sair da República Velha. Não encontrei nela qualquer ato merecedor de causar uma síndrome ou um processo viral infeccioso e, ao adentrar nos sujos anos 30: Eureca!!! Logrei encontrar o portador da moléstia ao ver Washington Luís ser deposto por Getúlio Dornelles Vargas, que, inclusive, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes em 01 de março de 1930. Imediatamente lembrei-me do processo de desarmamento da população alemã pelos nazistas, em excelente leitura do escritor Stephen P. Halbrook. O desarmamento da população civil, portanto, tem início latente no Brasil com a entrada ao poder de um ditador. Não há dúvidas contra fatos. Todo ditador desarma o povo. Não podemos nos esquecer dos Paulistas e Mato-grossenses, militares e civis que lutaram contra a tirania de Vargas na chamada Revolução Constitucionalista de 1932.

A única diferença entre os tempos atuais e aqueles vividos por Vargas era a desnecessidade em mentir. Vargas, ditador que era, impunha o desarmamento por meio de uma série de Decretos sem qualquer necessidade de apregoar falácias como essas de hoje. A mentira apregoada e falaciosa dos tempos atuais trás o desarmamento como algo bom, como se o Estado estivesse na busca de proteger uma pessoa contra outra: Pura falácia.

De forma histórica, nos anos seguintes ao sufocamento do levante paulista tem-se o início de uma série de leis editadas via Decreto pelo Ditador. Foi nesse período que vi nascer o Decreto n. 24.602, de 6 de julho de 1934 (R-105).

Fiquei curioso e procurei Vargas, mas com medo de ser preso fiquei ali por perto somente analisando seus passos. Percebi que São Paulo lutou bravamente em sua Revolução porque sua Força Pública, durante a República Velha, teve acesso irrestrito e sem controle da União às armas de fogo, inclusive importando legalmente de outros países armas de acordo com seu orçamento e, foi nesse ponto que encontrei a tão procurada síndrome do desarmamento civil.

Percebi que todo ditador trás em seu DNA uma estrutura complexa e defeituosa tendente a impor o desarmamento do povo. Apenas não sabia como esse processo defeituoso do DNA de uma única pessoa pudesse contaminar quase toda uma população. O Decreto n. 24.602, de 6 de julho de 1934 era a prova cabal disso tudo! Antes, porém, num certo dia de Novembro de 1932 espiei Getulio em seu gabinete, fazia muito calor quando ouvi Getúlio murmurar tranquilamente: – como poderia um levante popular de um único Estado-Membro causar tanto trabalho para as forças da União Federal? Era preciso diminuir a capacidade bélica dos Estados-Membros! Eureca novamente! Descobri a origem do R-105.

Podemos desta forma dividir o processo de desarmamento da população brasileira em dois períodos assim como se divide este período entre República Velha  e Era Vargas, advindo com esta última o início do processo de controle de armas de fogo. Isso se reflete em inúmeros Decretos tendentes a regulamentar e controlar o uso de arma de fogo inclusive pela Força Pública.

Antes da Revolução de 1932 era comum a importação de armas de fogo pela Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar), sejam fuzis, metralhadoras e até mesmo aviões de guerra. Não havia a imbecilidade de distinção entre “calibre restrito” e “calibre permitido”, tampouco monopólio ou reserva de mercado tendente a privilegiar armas nacionais. A única preocupação da Polícia era equipar-se com armamento de ponta e, por isso, São Paulo conseguiu resistir por 3 meses as forças do Governo Federal.

De posse dessas informações compreendi que, em tempos modernos, as causas para propagar o vírus não se dariam por uso da força como nos tempos de Vargas, mas sim por meio de falácias, propagandas, marketing  mentiroso e tudo quanto mais fosse necessário.

Confesso a vocês que a única dúvida que me restava era saber se o processo de desarmamento da população era uma síndrome ou um vírus. Depois de muito refletir cheguei à conclusão que era uma síndrome do totalitarismo, um processo defeituoso do DNA do ditador que, de maneira ainda desconhecida, contamina pessoas com ideias. Ao lograr conhecer o vírus a fundo e as causas infecciosas capazes de alienar e até mesmo destruir pensamentos lógicos, voltei para casa com muita pressa, peguei a esposa e fomos tomar uma boa vacina em um estande de tiro.

 

O fundador do site Armas Históricas é Advogado. Colecionador da 2ª RM. Estuda armas de fogo e artefatos militares e seu impacto e relevância para os dias atuais. Também é entusiasta e participa de encontro entre colecionadores do Brasil e exterior. Sócio da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo no Estado do Rio de Janeiro.

 

 

 

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