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Tratando do tema das armas de fogo obsoletas, veremos que inexiste necessidade de registro nos órgãos competentes. Entretanto, a legislação brasileira, no que diz respeito ao tema, simplesmente e novamente joga o cidadão de bem na vala dos criminosos, uma vez que, além de não regular a contento a matéria, permite interpretações divergentes sobre o conceito objetivo de arma de fogo obsoleta, expondo em risco os colecionadores e entusiastas da militaria.

Visando a necessidade de expor conceitos técnicos e objetivos que permitam elucidar questões até então obscuras, este artigo busca analisar a matéria através de meios jurídicos e, principalmente, entender o risco que colecionadores e entusiastas da militaria estão expostos, contribuindo para o conceito técnico e jurídico das armas obsoletas na atual situação.

O CONCEITO DE ARMA DE FOGO OBSOLETA NO DECRETO nº 2.222/97

Antes de maiores delongas, é necessário esclarecer o conceito de arma de fogo obsoleta.

Vejamos a definição contida no § 1º do art. 3º do Decreto nº 2.222/97 (atualmente revogado pelo art. 77 do Decreto nº 5.123/04):

“Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, excetuadas as consideras, obsoletas.”

“§ 1º Armas obsoletas, para fins desta regulamentação, são as fabricadas há mais de cem anos, sem condições de funcionamento eficaz e cuja munição não mais seja de produção comercial”.

“§ 2º. são também consideradas obsoletas as réplicas históricas de comprovada ineficácia para o tiro, decorrente da ação do tempo, de dano irreparável, ou de qualquer outro fator que impossibilite seu funcionamento eficaz, e usadas apenas em atividades folclóricas ou como peças de coleção”.

 

Em que pese o revogado Decreto nº. 2.222, de 8 de Maio de 1997, exigir requisitos objetivos para a apuração do conceito de arma de fogo obsoleta, em contrapartida os faria de forma cumulativa: qual seja, idade da peça superior a 100 anos, ineficácia para o tiro e munição não mais fabricada comercialmente.

Felizmente o Decreto nº. 2.222/97 foi revogado, já que ilógico exigir o cumprimento de 3 (três) requisitos simultaneamente para se considerar obsoleta uma arma. Seria ilógico, por exemplo, exigir que uma arma quebrada e com mais de 100 anos também não dispusesse de munição comercial para somente assim ter conceito de obsoleta.

Durante a vigência deste Decreto, os colecionadores e entusiastas praticamente não colecionavam armas de fogo obsoletas, já que seria extremamente dificultoso cumprir os 3 requisitos cumulativamente. Essa exigência inútil no conceito de arma de fogo obsoleta durante a vigência do Decreto inviabilizou seu colecionismo e prejudicou não só o colecionador como o patrimônio histórico militar. Neste período, inúmeras armas de fogo obsoletas e raríssimas foram destruídas pelo Estado por não se encaixarem no conceito de obsolescência. Esse Decreto foi responsável, por exemplo, pela destruição de raríssimas Pistolas C-96 Cone hammer com mais de 100 anos e sem fabricação comercial de sua correspondente munição pelo simples fato da arma de fogo poder funcionar.

O Decreto nº. 2.222/97, para sua correta aplicação exigia certa interpretação jurídica dos operadores do Direito. Ao apresentar 3 (três) requisitos para a consideração de obsolescência de arma de fogo em idade superior a 100 anos, ineficácia de disparo e munição não mais fabricada comercialmente trazia certas dúvidas, já que os juristas e estudiosos do Direito levantavam a hipótese de que não se sabia, ao certo, se o cumprimento de apenas um dos requisitos já tornaria a arma obsoleta.

Esse Decreto, felizmente foi revogado, já que se prestava mais em destruir armas de fogo obsoletas do que dar garantias aos colecionadores. Tratava-se de uma aberração jurídica que, ao invés de ajudar em primeiro lugar a sociedade, os entusiastas e colecionadores, exigia certa interpretação para apuração do conceito da obsolescência, já que lançava 3 requisitos a serem observados, em tese, cumulativamente.

ARMA OBSOLETA NO DECRETO nº 3.665/2000 – NOVO CONCEITO DE ARMA OBSOLETA

Segundo o art. 3º, inciso XXI do Decreto nº 3.665/2000 (decreto que dá nova redação ao R-105 – Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados), entende-se por arma obsoleta:

“XXI – arma de fogo obsoleta: arma de fogo que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, por ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso; pela sua obsolescência, presta-se mais a ser considerada relíquia ou a constituir peça de coleção”

Ao contrário do revogado Decreto nº 2.222/97 que previa que a arma, para ser considerada obsoleta, necessariamente teria de possuir mais de 100 anos além de ineficácia para o tiro e ausência de munição comercial, o  Decreto nº 3.665/2000 apenas prevê que a peça seja de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e com munição não mais fabricada.

Portanto, a atual legislação brasileira não menciona se a arma de fogo deva estar ineficaz para o disparo. O texto da lei também cita a questão da “relíquia”, ou seja, menciona o fato de que sua preservação é necessária por cunho de valor histórico e social. Portanto, o Decreto nº 3.665/2000 arrefece o conceito de arma obsoleta.

Abaixo temos um exemplo de arma de fogo obsoleta: uma pistola alemã Mauser C-96. A pistola abaixo exibida não é uma C-96 qualquer. Em que pese a Mauser C-96 ter sido fabricada de 1896 a 1936, a segunda foto da esquerda para a direita demonstra que o “cão” da pistola tem o formato de um “cone” diferentemente de outras variantes. Essa pistola em particular foi denominada CONE HAMMER ou, no Brasil, de “cão em cone”. Essa variação de pistola denominada cone hammer foi fabricada tão somente do início de 1897 a 1898. A pedido do colecionador foi suprimido o último dígito do número de série da arma como condição para fotografá-la. Esse modelo em particular foi fabricado no ano de 1897 devido ao seu baixo número de série composto de apenas 3 dígitos. A arma em questão pertence a um colecionador particular do Estado de São Paulo e possui mais de 120 anos. O colecionador não me deixou tocar nas partes em aço da pistola sem que antes pusesse luvas. A arma estava suja de graxa especial proveniente da Alemanha para sua conservação. Ao procurar o colecionador para solicitar a realização das fotografias para este post senti uma certa relutância devido à relíquia e o grau de zelo com que cuida dessa importante peça da história. Jamais um Museu cuidaria com o mesmo zelo com que ele cuida dessa arma. Estava banhada em óleos especiais para não enferrujar. Pude ver um pedaço da história bélica mundial e a grande admiração pelo colecionador resplandecia de meus olhos. Antes de guardá-la me mostrou uma munição desativada do antigo e defasado cartucho 7,63 Mauser, calibre esse utilizado pela pistola e não mais fabricado comercialmente desde a década de 1940.

Ao lado temos a imagem da munição calibre 7,63 mm utilizada pelas pistolas Mauser C-96. O cartucho calibre 7,63 tem o formato de uma “garrafinha”, o que bem demonstra sua obsolescência, tendo em vista que nenhuma arma moderna utiliza essa munição, que é rara de se encontrar até mesmo entre colecionadores registrados no Exército. Essa imagem foi retirada da internet e não pertence ao colecionador proprietário da pistola acima ilustrada.

Desta forma, voltando ao assunto da legislação que regula as armas obsoletas, o Decreto nº. 3.665/2000 afasta a necessidade de cumprimento simultâneo de todos os requisitos do Decreto anterior para se considerar uma arma de fogo como obsoleta. Também afasta a necessidade de possuir mais de 100 anos. Assim, pelo atual decreto basta que a arma seja considerada antiga e não disponha de munição comercial para seu calibre (mesmo que seu mecanismo tenha condições de disparar sua munição original).

 

DESNECESSIDADE DE REGISTRO DE ARMA OBSOLETA

 

Em relação a obrigatoriedade do cadastro das armas classificadas como obsoletas, é importante ressaltar que o DECRETO 5.123/2004, que regulamentou a Lei nº 10.826/03 em art. 2º, § 1º, inc. V e art. 14 respectivamente, dispõem:

“Art. 2º O SIGMA, instituído no Ministério da Defesa, no âmbito do Comando do Exército, com circunscrição em todo o território nacional, tem por finalidade manter cadastro geral, permanente e integrado das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do SIGMA, e das armas de fogo que constem dos registros próprios.”

“§ 1º. serão cadastradas no SIGMA:”

“V – as armas de fogo obsoletas”.

“Art. 14. É obrigatório o registro da arma de fogo, no SINARM ou no SIGMA, excetuadas as obsoletas”.

Pelo exposto, entendemos que o legislador após dispor sobre a obrigatoriedade de cadastro das armas obsoletas no art. 2º o fez de forma desnecessária, pois logo adiante no art. 14 concedeu a exceção a obrigatoriedade do cadastro. Vejamos a lei:

DECRETO Nº 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004.

Regulamenta a Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes.

Art. 2o  O SIGMA, instituído no Ministério da Defesa, no âmbito do Comando do Exército, com circunscrição em todo o território nacional, tem por finalidade manter cadastro geral, permanente e integrado das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do SIGMA, e das armas de fogo que constem dos registros próprios.

        § 1o Serão cadastradas no SIGMA:

        I – as armas de fogo institucionais, de porte e portáteis, constantes de registros próprios:

        a) das Forças Armadas;

        b) das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares;

        c) da Agência Brasileira de Inteligência; e

        d) do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;

        II – as armas de fogo dos integrantes das Forças Armadas, da Agência Brasileira de Inteligência e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, constantes de registros próprios;

        III – as informações relativas às exportações de armas de fogo, munições e demais produtos controlados, devendo o Comando do Exército manter sua atualização;

        IV – as armas de fogo importadas ou adquiridas no país para fins de testes e avaliação técnica; e

        V – as armas de fogo obsoletas.

(….)

   Art. 14.  É obrigatório o registro da arma de fogo, no SINARM ou no SIGMA, excetuadas as obsoletas.

 

Acima grifo meu.

Realizando-se uma exegese da lei, chega-se à inevitável conclusão de que não somente colecionadores registrados no Exército poderiam manter acervo de armas obsoletas. Ao dispensar o registro tanto no SINARM quanto no SIGMA a lei é clara ao permitir que qualquer cidadão colecione armas de fogo obsoletas.

Já aos colecionadores registrados no Exército é dada a faculdade de cadastrá-las (e não registrá-las) no órgão militar competente. Esta faculdade encontra amparo no art. 9º da Portaria Ministerial nº 767, de 4 de julho de 1998.

Pela análise sistemática dos dispositivos acima mencionados, deve ser entendido que o Registro ou o Cadastro da Arma de Fogo Obsoleta é mera “faculdade” uma vez que o art. 14 do Decreto nº 5.123/04 desobriga os colecionadores a efetuar qualquer registro/cadastro da arma junto ao Exército ou Polícia Federal.

Pelo aparente antagonismo da legislação mal feita que tratam das armas de fogo obsoletas, temos uma aparente contradição que faz presumir que somente colecionadores poderiam possuir armas de fogo obsoletas cujo cadastro e não registro é faculdade de se realizar junto ao Exército.

Entretanto, a posse de uma arma de fogo obsoleta pelo cidadão que não seja colecionador registrado não é vedada pela lei. Embora pareça que a posse de uma arma de fogo obsoleta seja faculdade somente de colecionadores registrados no Exército, não existe uma proibição na legislação que vede a posse pelo cidadão comum, ao contrário, ao dispensar a necessidade de registro a legislação permite o colecionamento de armas de fogo obsoletas por qualquer pessoa.

Convém mencionar que tanto os diplomas legais mais antigos quanto os mais modernos são uníssonos em dispensar o registro de armas de fogo obsoletas. A Lei nº 9.437 já em 1997, em seu artigo 3º, dispensava de registro de armas obsoletas.

Atualmente a Lei 10.826/03, estabelece em seu artigo 23 que a classificação legal de arma obsoleta será realizada por ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.

No ano seguinte à edição da Lei n. 10.826/03 foi editado o Decreto n. 5.123, de 1º de Julho de 2004, que visava conceituar, além de outras questões, a classificação do que seria arma de fogo obsoleta. Esse Diploma Legal estabeleceu a dispensa do registro no art. 14 e a faculdade de registro por parte de colecionadores no inciso V do §1º do art. 2º.

CONCLUSÃO E PROBLEMÁTICA DAS ARMAS OBSOLETAS

Portanto, muito embora a lei em vigor não exija o registro de arma de fogo obsoleta, por questões de segurança jurídica, a lei deveria esclarecer de forma mais objetiva o conceito de arma obsoleta e impor requisitos específicos e claros para possibilitar a identificação de uma arma de fogo obsoleta.

Enquanto a lei não esclarece esses conceitos de forma mais clara e objetiva, o cidadão de bem vem pagando alto preço pelo descaso do Estado.

Não são poucos os casos em que um senhor ou uma senhora que possuem armas antigas, muitas delas penduradas na parede da sala, verdadeiras relíquias de família e, à mais sorrateira oportunidade, os agentes públicos que deveriam conhecer a legislação simplesmente prendem e processam pessoas de bem e cumpridores da lei. O Delegado de Polícia e o Promotor de Justiça que deveriam também cumprir a lei, talvez levando em consideração suas convicções pessoais prendem pessoas de que deveriam saber ser inocentes. Vejamos jurisprudência na qual um cidadão foi processado e ao final absolvido por possuir uma arma de fogo obsoleta pendura na parede de sua residência:

Processo APL 00298985420038190000 RIO DE JANEIRO ARARUAMA VARA CRIMINAL

Orgão Julgador OITAVA CÂMARA CRIMINAL

Partes APTE: EDSON FREIRE DE MELLO, APDO: MINISTERIO PUBLICO

Publicação 30/09/2003

Julgamento 4 de Setembro de 2003

Relator ANGELO MOREIRA GLIOCHE

Andamento do Processo

Ementa

Apelação. Art. 10, par.2., IV da Lei 9437/97. Tratando-se de arma apreendida de uso permitido a hipótese do art. 10, “caput”, da Lei 9437/97. Sem prova de não se tratar de arma obsoleta, não há exigência de registro. Arma de mais de 100 (cem) anos na parede, enfeitando o quarto. Ausência de possibilidade de que pudesse ser, de pronto, utilizada. Ausência de prova de dolo. Principio “in dubio pro reo”. Recurso provido. Vencido o Des. Valmir Ribeiro.

Na jurisprudência acima, que pode ser retirada e confirmada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o apelante foi absolvido por possuir uma Carabina Winchester .44 pendurada na parede da residência. A arma pertencia ao falecido avô. Muito embora a arma fosse apta ao disparo e ainda com produção comercial de sua munição, ela possuía mais de 100 anos de fabricação e não se destinava ao uso e sim em adornar a residência como peça de família. Agiu com zelo e apreço pelo cidadão os Desembargadores.

Por fim cabe mencionar que o cidadão não deveria passar por esse vexame jurídico, ser preso, pagar fiança, para quiça ser absolvido. Vejam que no caso da jurisprudência acima um Desembargador teve o voto vencido, discordando da posição dos outros Desembargadores. Portanto, é premente a necessidade de mudança da lei para garantir os direitos dos colecionadores e entusiastas. Nestes casos, o Estado deveria ser processado e pagar indenização por danos morais por violação da lei e ofensa ao cidadão exposto em tão humilhante situação.

As pessoas de modo geral sabem que o ESTATUTO DO DESARMAMENTO é uma vergonha e não representa a vontade do povo que, inclusive, no referendo de 2005, derrotou os desarmamentistas no famoso “tapa na cara” da esquerda. Referido Estatuto falhou de maneira cabal e os índices de violência por morte com o uso de armas de fogo aumentam a cada ano após sua aprovação, com exponencial crescimento para o ano de 2012.

A mídia esquerdista e alguns governantes de modo geral tentam apregoar falácias de que a facilitação do acesso às armas de fogo pelos cidadãos de bem trariam o aumento do número da criminalidade. As pessoas de bem que procuram armas registradas ou visam exercer atividade desportista e de colecionamento nada tem a ver com a violência. O criminoso jamais procura uma arma legalizada para cometer um crime.

Resta cabalmente comprovado que a partir da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento os números de assassinatos com uso de arma de fogo aumentaram esdruxulamente, principalmente de 2009 a 2012. Isso significa uma coisa: as armas que matam não são as registradas na Polícia Federal e no Exército Brasileiro.

Cabe enfatizar que o cidadão comum, o entusiasta amante da militaria e os colecionadores registrados no Exército estão vulneráveis com a atual legislação. O Exército Brasileiro, por meio do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC), não prevê situação administrativa que possibilite o cadastro de arma de fogo obsoleta, embora a lei determine a faculdade se seu cadastramento. Dentro do rol de peças controladas pelo Exército não existe a figura da arma obsoleta. Por não possuir capacidade de atingir a incolumidade pública o Exército não incluiu as armas obsoletas no rol de peças controladas e, assim, não tem atribuição legal para fiscalizá-la.

Existe, portanto, inúmeras contradições entre o que descreve a lei, entre o que o Exército permite e a real situação fática dos colecionadores e entusiastas da militaria.

Falta, portanto, esclarecimentos legais sobre requisitos do que seja ou não obsoleto, para dar garantias tanto para os entusiastas da militaria quanto para os colecionadores registrados do Exército.

No que tange aos colecionadores, o Exército deveria permitir o apostilamento e cadastro de arma de fogo obsoleta por simples petição/informação ou por meio de fotografias. Essa permissão e cadastramento seriam imprescindíveis para proteger o colecionador e lhe dar segurança jurídica.

Imaginemos um grande colecionador que possui em sua residência 40 armas de fogo devidamente registradas no SIGMA, com atribuição de fiscalização pelo Exército através do SFPC. Além das 40 armas registradas ele possui 1 (uma) pistola obsoleta do Século XIX sem registro, ante a dispensa de registro para armas dessa categoria.

O problema reside na interpretação dos agentes públicos do que é ou não obsoleto. Pela atual legislação este colecionador ao ser fiscalizado pelo Exército ou qualquer agente público poderia ser preso e processado caso o agente fiscalizador entendesse que a pistola do Século XIX não se trata de peça obsoleta.

Assim, na atual conjuntura da legislação brasileira tantos os colecionadores quanto os entusiastas e amantes da militaria estão expostos a grande risco de punição penal por desídia do próprio Estado em não definir com requisitos objetivos a questão da obsolescência.

Imaginemos também outra situação: Um cidadão que admira muito artigos e armas militares antigas da época da Guerra de Canudos (1896 – 1897). Este amante da militaria adquire uma garrucha muito velha, cujo calibre sequer é produzido comercialmente. Em análise sumária se vê que a peça se presta mais ao colecionamento do que à finalidade bélica atual. Imaginemos também que essa arma sequer dispara, pois está quebrada. Apesar de tudo isso o cidadão pode ser preso e processado e, talvez, condenado, já que nossa legislação se preocupa mais em conceituar subjetivamente do que dar garantias às situações objetivas para essa questão.

Não podemos aceitar a confusa legislação brasileira no que tange à matéria, já que os agentes fiscalizadores (Polícia, Exército etc), podem desconhecer o critério da obsolescência de uma determinada arma, o que certamente acarretaria prejuízos legais ao cidadão. Assim, se o Exército Brasileiro, porventura estivesse preocupado com o colecionador (e não somente com restrições), ao contrário de lançar um catálogo em Janeiro de 2017 onde se preocupa em limitar as armas de fogo colecionáveis também deveria fazer um catálogo onde registra os tipos, modelos e instruções gerais para o critério da obsolescência, prevendo a dispensa do registro/cadastro para os modelos nele inseridos, dando segurança aos colecionadores e entusiastas.

Em suma, o Brasil não se preocupa com seus cidadãos e tão pouco com seu patrimônio histórico militar obsoleto.

A atual legislação brasileira não favorece o aperfeiçoamento da cultura militar e desprestigia a história militar brasileira, já que a maioria dos entusiastas temem possuir armas de fogo obsoletas com medo de serem responsabilizados penalmente, o que favorece a destruição e a perda de armas obsoletas importantíssimas para a história do Brasil.

Embora exista previsão legal pela Portaria Ministerial nº 341, de 02 de abril de 1981 (Ministério do Exército) sobre a necessidade de preservação das armas obsoletas ao dispor que: obsoletas, antigas e/ou raras e ainda aquelas que não mais apresentarem condições de uso, de quaisquer calibres, nacionais ou estrangeiras, e respectivas munições, as brancas de uso militar (baionetas, espadas, sabres, etc), poderão ser alienadas, por doação, a Museus e colecionadores devidamente registrados no SFPC Regional, desde que possam servir para preservação do patrimônio histórico e cultural do País e mediante solicitação do interessado e posterior anuência do Comando da Região Militar. Verificamos que a referida Portaria favorece a doação a museus e não protege o possuidor da peça obsoleta por meio de requisitos objetivos do que é ou não obsoleto.

O EXÉRCITO BRASILEIRO, por meio da 2ª Região Militar (ESTADO DE SÃO PAULO) lançou no início do ano de 2017 um catálogo onde vem inserindo gradualmente os tipos e modelos de armas de fogo de caráter histórico para orientar o colecionador registrado. Esse catálogo, que já foi discutido em outro post do ARMAS HISTÓRICAS não pode simplesmente limitar a atividade do colecionador, devendo sempre ser atualizado para enriquecer a atividade. Se o catálogo não for atualizado a contento sua finalidade serviria apenas para ferir os direitos constitucionais dos colecionadores e emperrar a atividade. Basta ao interessado acessar o site da 2ª Região Militar para analisá-lo. A contrário sensu, o Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados – SFPC, deveria lançar um catálogo com informações, regras, tipos, modelos e calibres de armas de fogo que dispensariam registro no SIGMA e, da mesma maneira, também deveria ser realizado pela Polícia Federal no SINARM. Sem dúvida isso traria segurança jurídica aos colecionadores e entusiastas da armaria obsoleta, desde que o referido catálogo contemplasse número razoável de peças, modelos, informações gerais, sem limitar os tipos e modelos que dispensariam o registro.

REQUISITOS QUE DEVEM ORIENTAR A CLASSIFICAÇÃO DE ARMA OBSOLETA

Embora não haja atualmente requisitos objetivos sobre o conceito de arma obsoleta (mas sim orientação), o antigo Decreto nº. 2.222/97 estabelecia que uma arma, para ser considerada obsoleta deveria atender aos seguintes critérios:

  • ARMA COM MAIS DE 100 ANOS
  • INAPTA AO TIRO
  • CALIBRE NÃO MAIS FABRICADO COMERCIALMENTE

Com a revogação do Decreto n. 2.222/97 e a mudança no conceito de arma de fogo obsoleta como aquela “que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, ou por ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso…”, temos que inexiste atualmente o conceito de arma obsoleta como outrora ventilado no Decreto nº. 2.222/97.

Atualmente, para a classificação de uma arma como peça obsoleta não seria necessário o cumprimento simultâneo de todos os requisitos, como exigia o Decreto nº. 2.222, de 8 de Maio de 1997. Bastaria, hoje, que a arma de fogo fosse antiga (sem previsão de idade)  e que sua munição não mais tenha produção comercial (mesmo que a arma contasse com menos de 100 anos e ainda disparasse).

Portanto, a atual legislação suprimiu a exigência da arma de fogo possuir mais de 100 anos de fabricação, tornando a lei genérica, limitando a dizer que deve ser antiga e sua munição também antiga sem produção comercial.

Esse é o ponto de discussão. Ao expor um conceito genérico como esse na tipificação do que é obsoleto, a lei cria janelas para interpretações divergentes e prejudiciais à atividade do colecionamento.  É imprescindível que a lei seja adequada para levar em consideração requisitos objetivos para a classificação da obsolescência, permitindo, assim, afastar dúvidas e garantir a aplicação correta da lei às situações que se apresentarem na sociedade.

CRITÉRIO ETÁRIO

Embora a atual legislação, por meio do Decreto 3.665, de 20 de Novembro de 2000, estabelecer que arma de fogo obsoleta é “arma de fogo que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, ou por ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso…”, temos que não existe garantia aos colecionadores e entusiastas uma vez que existem Jurisprudências condenando os colecionadores e entusiastas pela eficácia da arma obsoleta – mesmo com munição não mais produzida comercialmente pela industria nacional – quando verificado que existem resquícios recentes de pólvora a indicar utilização (disparo).

Embora o legislador tenha dado mais atenção ao critério da ausência de fabricação comercial da munição para classificar como obsoleta uma peça, os entusiastas e colecionadores não se sentem seguros.

Existem casos na jurisprudência em que a Justiça não entendeu como obsoletas armas muito antigas e sem produção comercial para seus calibres pelo simples fato de ainda estarem funcionando. Um verdadeiro absurdo, por isso louvável a jurisprudência do Rio de Janeiro, acima citada, ao absolver um cidadão que mantinha uma Winchester .44 na parede de sua residência, por se tratar de peça de família.

Em conjunto com a atual legislação, temos que ainda deveria vigorar o requisito estampado no antigo Decreto n. 2.222/97, ou seja, ARMAS COM MAIS DE 100 ANOS, mesmo que a arma tenha eficácia para disparar.

Armas com idade igual ou superior a 100 anos deveriam ser consideradas de pleno obsoletas, desde que não tenham sido modificadas para disparar munições atuais.

Esse requisito traria segurança a muitos colecionadores. Um critério objetivo como o da idade da arma deveria ser acolhido e estabelecido pela lei, assim como nos EUA. Nenhum cidadão que possua uma arma de fogo cujo número de série demonstre sua fabricação há mais de 100 anos poderia ser preso e processado.

A adoção de um requisito objetivo como esse afastaria injustiças sociais e favoreceria o aperfeiçoamento da cultura e da própria sociedade.

Sobre a questão da adoção do critério etário da arma, sua adoção favoreceria a comercialização de peças obsoletas pelos antiquários, museus, colecionadores e entusiastas, incentivando um setor comercial pouco explorado, mas com potencial de crescimento em nosso país.

Entretanto, nesse requisito seria necessário estabelecer que a peça/arma tenha em si idade igual ou superior a 100 anos, jamais podendo considerar que os 100 anos sejam contados da produção inicial do modelo que se pretende colecionar. A exigência de mais de 100 anos da arma vem justamente preservar o caráter histórico e engrandecer o patrimônio histórico cultural do país.

INEFICÁCIA DE DISPARO

Pistola Tokarev fabricada na União Soviética. Encontrada enterrada em local onde aconteceram batalhas entre Russos e Alemães na 2ª Guerra Mundial.

O segundo requisito: ARMAS SEM POSSIBILIDADE DE DISPARO não trazem perigo à sociedade ou qualquer risco à incolumidade pública. Ora, se uma arma não se presta para a finalidade de disparo ela não pode ferir ninguém e, logo, não se pode exigir os mesmos requisitos que se exigiria para uma arma com plena capacidade de disparo. Nesse requisito se encontram colecionadores e entusiastas de peças históricas cuja preservação interessa à própria sociedade, como por exemplo, armas ou partes de armas que participaram de conflitos modernos (menos de 100 anos) e foram recolhidas de campo de batalha.

Bastando comprovar que a arma de fogo está inutilizada para disparo, seja por ação do tempo, seja por outros fatores, a adoção da obsolescência afastaria a necessidade de registro, mesmo que essa arma possuísse menos de 100 anos. Exigir, como critério para apuração de obsolescência, que uma arma de fogo, além de não contar com munição comercial, tenha de possuir mais de 100 anos de fabricação seria absurdo e irreal. Seria o mesmo que proibir qualquer colecionamento. Portanto, o cumprimento de um requisito deve afastar o outro para a adoção do critério de obsolescência, de forma que os requisitos não podem ser exigidos cumulativamente.

Ao contrário do que se imagina, não é difícil encontrar armas e objetos militares enterrados em locais onde se travaram guerras. No Brasil existiram inúmeros conflitos e revoluções. Podemos citar a Guerra do Paraguai (1864 – 1870). Em localidades que fazem fronteira com o Paraguai, mais precisamente no Estado de Mato Grosso do Sul e, também, no  Rio Grande do Sul existem registros de achados.

Na Europa é comum a coleção de armas de fogo encontradas com o auxílio de detectores de metal. Ao lado temos a famosa pistola P-38 em calibre 9 x 19 recolhida do campo de batalha travado na Segunda Guerra Mundial. Essa arma, apesar de contar com menos de 100 anos (fabricada provavelmente entre 1940 e 1945) mostra-se visivelmente incapaz de funcionar e é, por isso, considerada obsoleta.

Exemplar da garrucha Castelo 2º modelo.

Nesse diapasão devem ser incluídos os artefatos bélicos e as armas nacionais das antigas fábricas de armas do Brasil que devido ao tempo ou à má conservação tenham seu dispositivo de disparo inutilizado.

Note que a Europa e os Estados Unidos procuram conservar até mesmo as armas que se mantinham enterradas em campos de batalha, resgatadas como maneira de assegurar sua conservação para as futuras gerações e o aperfeiçoamento da cultura, da memória nacional e do patrimônio histórico-cultural daquele país.

No Brasil, as armas de fogo das antigas fábricas nacionais (Caramuru, Castelo, Lerap, Ina etc), muitas extintas por falta de ajuda do governo na década de 1970, devem ser asseguradas como obsoletas, obedecendo o critério da ineficácia do disparo, como maneira de assegurar nosso patrimônio histórico.

  

AUSÊNCIA DE PRODUÇÃO COMERCIAL DA MUNIÇÃO

Não se pode deixar de considerar como arma de fogo obsoleta aquelas cujas munições não são mais produzidas comercialmente pela indústria de munições nacional.

Existem armas no Brasil cuja munição jamais foram fabricadas pela indústria nacional. Por óbvio essas armas devem se encaixar no critério da obsolescência, mesmo que o mecanismo de disparo da arma funcione.

Nesse contexto, ao lado temos uma munição calibre 7,62 x 25 jamais produzida comercialmente no Brasil. Essa munição foi desenvolvida e utilizada pela União Soviética para uso nas pistolas Tokarev e nas submetralhadoras Ppsh-41 e Pps-43 durante a Segunda Guerra Mundial. Ademais, nenhuma fábrica brasileira produziu uma arma de fogo que utilizasse esse cartucho.

Não se justifica, portanto, deixar de considerar uma arma de fogo como obsoleta nesse contexto, mesmo que possua idade inferior a 100 anos e plena capacidade de disparo, vez que não haveria meios de utilização dessa arma de fogo por ausência de produção comercial de sua respectiva munição, o que afasta qualquer risco à incolumidade pública.

Na década de 1950 a 1980 existiram várias fábricas de armas nacionais, vez que nesse período um cidadão de bem poderia, cumprindo os requisitos da época, andar armado sem maiores delongas e aberrações legais. Imaginemos que uma dessas fábricas tivessem produzido armas de fogo com calibre 7,63 Mauser ou 7,62 x 25. Levando-se em consideração que essas munições não são produzidas devido ao seu conceito ultrapassado, as armas de fogo nesses respectivos calibres são consideradas de  pronto como obsoletas.

CONCLUSÃO

Em que pese o art. 2º, §1º, inciso V do Decreto nº. 5.123/2004 que regulamenta a Lei nº. 10.826/2003, dizer que serão cadastradas no SIGMA as armas de fogo obsoletas, em contrapartida existe a dispensa do registro de armas obsoletas pelo art. 14 do Decreto nº. 5.123/2004, causando aparente contradição.

O artigo 23 da Lei n. 10.826/2003, determina que as armas de fogo obsoletas sejam regulamentadas por decreto. Nesse sentido:

Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

O Decreto que regulamentou a Lei nº. 10.826/2003 foi o de nº. 5.123/2004, que em seu art. 2º, § 1º, inciso V, diz que:

Art. 2º […]

§1º Serão cadastradas no SIGMA:

V – as armas de fogo obsoletas.

O Diploma Legal menciona que serão “cadastradas” e não “registradas” no SIGMA as armas de fogo obsoletas, o que significa mera faculdade do colecionador. Assim, as armas de fogo obsoletas não necessitam de registro por expressa determinação legal contida no art. 14 do Decreto nº. 5.123/2004, sendo apenas faculdade seu cadastro junto ao Exército pelos colecionadores registrados como tais.

Pessoas que sejam apenas entusiastas e amantes da militaria (sem registro como colecionador no Exército) também podem colecionar armas obsoletas, desde que atendidos os requisitos acima ventilados e em estrita observância ao que dispõe a lei.

A lei justamente faculta o registro das armas obsoletas devido ao fato de que estas não necessitam de controle pelo Estado, sobretudo pelo fato de não possuírem potencialidade lesiva, como já demonstrado pela exposição acima mencionada, apenas olvidando-se de que a ausência de um “cadastro” implicaria insegurança nos colecionadores e entusiastas da armaria obsoleta.

Ocorre que o legislador deixou de impor conduta comissiva aos agentes que deveriam interpretar a lei como a Polícia Federal e o Exército, através do Serviço Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC). Estes deveriam ser obrigados mediante o pagamento de uma taxa simbólica a aceitar e realizar o cadastro definitivo de armas de fogo obsoletas como maneira de trazer segurança aos colecionadores e entusiastas.

Não é raro encontrar jurisprudências de pessoas presas em flagrante porque mantinham em sua residência uma garrucha velha herança do avô. Por isso, se reafirma que talvez fosse esse o espírito da lei ao mencionar a palavra “cadastro” para as armas de fogo obsoletas, na tentativa de proteger o cidadão. O Exército e muito menos a Polícia Federal querem realizar o cadastro de armas de fogo obsoletas. Alegam simplesmente que as armas de fogo obsoletas dispensam registro e não fazem parte do rol de produtos que devam ser controlados. Em contrapartida não se preocupam com o cidadão que pode ser acusado por eles mesmos de posse ilegal de arma de fogo de, por exemplo, um garruchão velho herança de família.

Não seria difícil essa regularização por meio de Portarias ou mesmo de Atos Normativos que melhor elucidassem a questão da obsolescência através de requisitos objetivos e o cadastramento mediante requerimento e fotografias, com expedição de um certificado de obsolescência.

O ideal seria, para reafirmar a questão da segurança jurídica dos possuidores de artefatos militares obsoletos, que o colecionador ou entusiastas informasse ao Setor do Exército ou Polícia Federal o tipo de arma de fogo que ele possuí e, por meio destes órgãos obtivesse um título (cadastro tal qual a lei menciona), que acompanhasse a arma, dando segurança e favorecendo a comercialização de artefatos históricos entre os colecionadores.

O fundador do site Armas Históricas é Advogado. Colecionador da 2ª RM. Estuda armas de fogo e artefatos militares e seu impacto e relevância para os dias atuais. Também é entusiasta e participa de encontro entre colecionadores do Brasil e exterior. Sócio da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo no Estado do Rio de Janeiro.


2 comentários

CARLOS EDUARDO BUCHWEITZ · 25/10/2020 às 01:01

Excelente artigo.

    carlos · 12/12/2020 às 16:32

    Obrigado amigo, fico contente que tenha gostado.

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