Como Lutar sem armas?

 

Cartaz paulista convocando voluntários para a revolução.

Podemos dividir o desarmamento da população civil do Brasil e da própria Polícia do Estado de São Paulo em dois períodos distintos: período pré Revolução Constitucionalista de 1932 e período pós Revolução.

Antes da Revolução era comum a importação de armas de fogo pela Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar), sejam fuzis, metralhadoras e até mesmo aviões de guerra. Não havia a imbecilidade de distinção entre “calibre restrito” e “calibre permitido”, tampouco monopólio ou reserva de mercado tendente a privilegiar armas nacionais. A única preocupação era armar a Polícia com armamento de ponta.

Nessa época não havia o R-105, Portarias, Instruções Normativas, Leis, Decretos etc… que impunham à Força Pública a obrigatoriedade de adquirir armas nacionais. Portanto, a Polícia de São Paulo era livre para escolher e comprar suas armas, sempre primando pela qualidade do armamento.

Muitas pessoas desconhecem a história e os fatores determinantes para a Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo. Desconhecem o fato de que se alistaram mais de 200.000 voluntários para combater de frente a Força Implacável do Governo Federal. Nas linhas de frente não havia apenas integrantes da Força Pública de São Paulo, era comum a presença de empregados, autônomos, comerciantes, estudantes, gente como eu e você, que se sentiam cansados e humilhados pelo abuso autoritário e ditatorial do Governo Central.

Professora Maria Sguassábia. Voluntária paulista.

Durante a Revolução Constitucionalista muitos voluntários combateram as forças de Getúlio Vargas com armas próprias. Era muito comum, nessa época, pessoas honestas possuírem um rifle  para a caça.

Não fosse a liberdade de aquisição de armas pela Força Pública e pela ausência de rígido controle de armas na mão da população civil nas décadas anteriores à Revolução Constitucionalista, pode-se dizer sem sombra de dúvida que São Paulo não resistiria 1 único mês de conflito.

Durante a Revolução, São Paulo deixou de ser apoiado pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Lutando apenas com o apoio de Mato Grosso. Sucumbiu após três meses de árduo conflito.

Fazendo-se uma análise comparativa e apenas hipotética, vamos trazer a Revolução Constitucionalista de 1932 para os dias de hoje. Imaginemos como se desencadearia um conflito em moldes semelhantes ao ocorrido em 1932? Quanto tempo São Paulo e seus voluntários resistiriam ao contra ataque federal de um tirano gerindo o Brasil? Nos moldes atuais, com uma população praticamente desarmada e, quando armada, apenas com armas estupidamente arcaicas, o conflito seria ridículo e seria sufocado apenas nos estágios iniciais da hipotética rebelião. 

O controle de armas de fogo, portanto, se denota mais rígido a partir da derrota paulista contra as forças da União, onde Vargas percebe a nítida desvantagem e o iminente perigo de se possuir um Estado Membro mais armado do que o Governo Central, assim como a necessidade de se restringir armas potentes à população civil. Portanto, o Governo, ao limitar o calibre da arma do cidadão, impedindo a aquisição dos chamados “calibres restritos” ou armas automáticas, o faz para proteger a si mesmo, embora passando a mensagem de que a limitação seria para “proteger” o povo.

As imagens da Revolução Constitucionalista são capazes de dimensionar um pouco do que foi o maior conflito armado ocorrido no Brasil no século XX. O número de mortos da Revolução superou em muito o número de baixas sofridas pela FEB  durante a participação na Segunda Guerra Mundial. Somente no Obelisco do Ibirapuera são guardadas as cinzas de 713 combatentes.

Voltando ao mérito da questão desarmamentista no Brasil, o leitor poderia se perguntar o que tem a Revolução Constitucionalista de 1932 com o desarmamento?  Não é difícil de se imaginar!

Após a vitória das Forças Federais de Getulio Vargas, o ditador logo percebeu que os Estados Membros não poderiam ser mais bem armados do que a própria União. Assim como uma população civil bem armada representa fonte de receio para um ditador, também um Estado Membro armado à altura da União representaria um risco ainda que em potencial.

Trem blindado utilizado pelos paulistas. A frente se vê o canhão de 75mm.

Em outra matéria já publicada no site ARMAS HISTÓRICAS analisamos que o desarmamento se traduz apenas na chamada síndrome do controle social. O poder central, a monarquia, o ditador, a república, seja quem for… divide seu poder, ainda que em tese, com uma população bem armada.

A República Plena ou a chamada Democracia Plena só é vista em países que de qualquer forma conquistaram sua liberdade por meio das armas. Países como os EUA representam essa plena democracia porque deposita na população civil a confiança de que o governo representará os anseios do povo, dando, inclusive, liberdade aos Estados Membros para se auto-organizarem de diversas maneiras, até mesmo na legislação. Assim, a União não teme dividir, ainda que em potencial, riscos advindos do poder bélico dos entes que a compõe.

Foi no pós Revolução que surgiu a maioria das legislações restritivas ao acesso às armas de fogo. Em 1934 Vargas editou Decreto restringindo a fabricação de armas, munições e explosivos, praticamente estatizando as fábricas dessa natureza. Não é à toa que fábricas como CARAMURU, CASTELO, CHAPINA, LERAP não conseguiram se desenvolver em décadas posteriores. É por essas e outras razões que o Exército, por meio do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados exerce o controle de armas, munições, explosivos e blindagens no Brasil.

Durante a Revolução Constitucionalista os Paulistas Blindaram um Trem, armando sua frente com um canhão de 75mm e sua capota com uma metralhadora giratória Hotchkiss 7mm para combater a tirania de Vargas. Resultado: para se blindar hoje um carro no Brasil é necessário enfrentar um processo de autorização junto ao Exército. 

Também é de se mencionar que a Polícia Militar não consegue importar armas, metralhadoras, fuzis, ou qualquer outro armamento que julgue ser de interesse do Estado Membro. Portanto, a derrota paulista em 1932 serviu de fator determinante para o controle de armas de fogo, as quais ficaram a cargo exclusivo da  União.

Todo esse controle burocrático da Polícia Federal e do Exército Brasileiro em relação às armas de fogo – embora o Exército Brasileiro exerça um trabalho brilhante e tem aprimorado nos últimos 10 anos a legislação – é resquício da imposição Vargas no pós Revolução Constitucionalista, onde o Governo Central força a restrição e o controle de armas apoiado exclusivamente no viés ideológico, praticamente repetindo um contexto onde Vargas se viu, em termos de poder bélico, em um conflito onde os poderes se equivaliam.  

 

O fundador do site Armas Históricas é Advogado. Colecionador da 2ª RM. Estuda armas de fogo e artefatos militares e seu impacto e relevância para os dias atuais. Também é entusiasta e participa de encontro entre colecionadores do Brasil e exterior. Sócio da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo no Estado do Rio de Janeiro.

Categorias: Informativo

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